Recontratação na pandemia tem regras mais flexíveis, mas cuidados são necessários

Desde o início da pandemia, o país vivenciou demissões em massa em diversos setores econômicos. A crise, a necessidade de isolamento social, as restrições de funcionamento de serviços e comércios e a diminuição do poder de compra fizeram cair a receita de muitas empresas, que acabaram demitindo seus funcionários. Agora, quando muitas atividades econômicas são retomadas na maior parte do país, a recontratação de funcionários demitidos pode ser uma opção para muitas empresas, mas exige certos cuidados.

Em tempos normais, um funcionário demitido só pode ser recontratado após 90 dias, sob pena de ser considerado fraude, de acordo com a CLT. Mas, em julho, o Ministério da Economia publicou a Portaria 16.655/20, que permite a recontratação de funcionários antes de 90 dias após a demissão.

“Enquanto durar o estado de calamidade pública, na hipótese de demissão sem justa causa, as empresas poderão recontratar o empregado dentro de 90 dias. Houve alteração por conta da pandemia. A hipótese prevista na CLT é de que a empresa não pode readmitir o funcionário por 90 dias, sob pena de incorrer em fraude”, explica a advogada Manuela Falcão, sócia do Aragão Feitosa Alvim de Oliveira Advocacia.

Mesmo com o incentivo do governo, advogados de empresas e entidades empresariais observam que o movimento de recontratação ainda não é muito grande. Um dos motivos, relatam, é que há incertezas sobre a possibilidade de manter funcionários a longo prazo, já que temem que a crise se arraste até o ano que vem. Assim, permanecer com um quadro reduzido de funcionários tem sido a saída mais cautelosa para os que demitiram. Além disso, as medidas do governo que possibilitaram redução de jornada e salário e suspensão de contratos foram utilizadas por muitos setores, evitando demissões.

E ainda que tenha sido publicada esta nova norma, alguns cuidados na hora de readmitir funcionários são necessários. Um dos requisitos, previsto na própria portaria do Ministério da Economia, é que o funcionário deverá ser contratado novamente nos mesmos termos do contrato anterior, incluindo salário e benefícios. Se não, a recontratação pode ser considerada fraudulenta.

A recontratação com um salário menor, por exemplo, ou com uma carga horária diferenciada só pode ser feita caso haja acordo coletivo com o sindicato da categoria prevendo essa possibilidade de contratação em termos diferenciados.

“Entendendo que há uma necessidade da empresa ou do setor, cláusulas podem ser ajustadas por meio de aditivo. Se um sindicato patronal perceber que existe essa demanda, pode procurar um sindicato laboral para fazer essa alteração, em que fica já estabelecida que as recontratações neste período serão feitas com condições diversas, até como um estímulo ao emprego, que as pessoas tenham uma recolocação”, explica a advogada Caroline Marchi, sócia do Escritório Machado Meyer.

Já prevendo estes problemas, muitas empresas, ao efetuarem grandes demissões há alguns meses, fizeram acordos coletivos já com a promessa de recontratação. Assim, os funcionários deixam a empresa recebendo todos os direitos devidos de uma demissão sem justa causa, como acesso à multa rescisória e ao FGTS. Entretanto, sabem que serão recontratados quando a empresa retomar suas atividades normalmente.

Esse tipo de acordo foi observado principalmente entre empresas terceirizadas dos setores aéreo e portuário, que tiveram suas atividades reduzidas e até impossibilitadas até o presente momento. Em alguns casos, empresas chegaram a combinar que os funcionários devem manter seus uniformes, por exemplo, para utilizá-los no retorno da empresa. Acordos como estes são extrajudiciais e têm sido homologados com facilidade na Justiça do Trabalho, que tem suscitado a boa-fé das empresas.

Mas mesmo com a portaria do governo o tema não é pacífico entre trabalhadores e empresas. Para alguns advogados trabalhistas e representantes de sindicato, a recontratação com menos de 90 dias após a demissão pode sim ser considerada fraudulenta, ainda que na pandemia.

Na visão do advogado Bruno Figueiredo, do escritório Cezar Britto & Advogados Associados, trata-se de prática fraudulenta em muitos casos pois caberia às empresas arcar com o risco do negócio. “Em vários casos, os sindicatos buscaram as empresas para tentar evitar demissões em massa, e aconteceram as demissões, passou-se o período da quarentena e as empresas buscam essa recontratação. No nosso entendimento, a CLT diz que o risco empresarial é da empresa, é de quem contrata. Eles deveriam arcar com os ônus da crise”, diz.

Fonte: Portal Jota